João Santos - COO at WYgroup

Terá o marketing ideologia?

João Santos - COO at WYgroup
João Santos

O marketing nasceu num momento de grande expansão económica onde as empresas procuravam novas maneiras de se destacarem dos seus concorrentes. Esse crescimento concorrencial provocou um conjunto de desenvolvimentos em várias áreas que complementaram as necessidades das empresas no seu processo de diferenciação, desde logo, o design, a comunicação, a publicidade, entre muitas outras.

A última década conheceu uma viragem importante. O mundo está cada vez mais polarizado e até dividido. Hoje a discussão pública de determinados temas sobe a tons dificilmente vistos no passado recente. Ao mesmo tempo, as marcas incorporam nas suas narrativas propostas de sustentabilidade, de responsabilidade social, de inclusão, de igualdade de género, raça e por aí fora.

Dir-me-ão, e com toda a razão, de que não estamos mais do que a discutir temas de Humanismo, e por isso mesmo completamente consensuais na sociedade. Mas será mesmo assim? Não estarão algumas marcas a tomar partido? E essa tomada consciente de posição é positiva para as marcas? Estaremos a criar “marcas de direita” e “marcas de esquerda”?

Peço-vos que parem para ver um qualquer programa de debate na televisão ou façam uma rápida visita a uma rede social. Leiam o que vos surge no feed, mas sobretudo leiam os comentários aos posts. Depois de 10 minutos vão sentir uma enorme e generalizada angústia. Não há diálogo, há fações. Não há capacidade para discutir ou para tentar interpretar. Há ideias feitas e pré concebidas que se tornam realidades absolutas e imutáveis. É o espelho de onde estamos.

Mas é nesta realidade que as marcas têm de se posicionar. Pois é aqui, neste verdadeiro “tribunal popular”, que as suas ações vão ser avaliadas e sobretudo criticadas.

Vi há pouco dias uma campanha de uma marca nacional a ser verdadeiramente torpedeada por ter feito uma alusão aparentemente inocente, mas muito mal interpretada. Perdemos o sentido de humor e com ele a capacidade para não nos levarmos tão a sério. Se tudo tiver de respeitar o politicamente correto e nada o possa pôr em causa, acredito que iremos no caminho de uma sociedade tão lisa e aplainada que se tornará completamente amorfa e desinteressante.

E aqui entram as marcas, aquelas que têm efetivamente ideais. Que o fazem com a certeza de que esse é o seu público e são com esses que querem estar. Que são genuínas e autênticas. Que não fazem as suas ações por mero oportunismo, nem para parecerem que são aquilo que de facto não são. Essas, e disso não tenho grandes dúvidas, vão escolher um lado, seja ele qual for! Já o vemos hoje em marcas com preocupações ambientais e de sustentabilidade, em projetos de upcicling e recicling. Há claramente uma afirmação quase política por detrás destas marcas. Há uma intenção ativista que é salutar, pois foram construídas para tal.

Esta demarcação e, mesmo, clivagem, entre marcas e modelos de negócios irá acentuar-se. Aquilo que no passado tínhamos em que as marcas eram unificadoras e agregadoras, neste momento parece-nos cada vez mais uma realidade distante. Acredito que estamos a assistir ao nascimento do Marketing Ideológico.

Mais do que Propósito e de Causas, iremos ter de desenvolver Marketing Ideológico, e não confundir com Marketing Político, pois nada tem a ver. O Marketing Ideológico será um reflexo da sociedade e das suas muitas encruzilhadas. Irá focar-se em causas políticas e sociais e em temas fraturantes e dificilmente consensuais. Obrigará as marcas a tomar partido, sabendo que uma escolha irá implicar a perda de determinado grupo. Os consumidores começam a exigir às marcas que se assumam como pretendem ser e por isso mesmo o marketing ideológico terá uma componente de responsabilidade social, de sustentabilidade, de escolhas sociais em matéria de género, de igualdade de oportunidades. Mas também iremos ver o seu oposto.

Veremos mais marcas a tomarem posições públicas sobre as mais variadas questões. Iremos ter um maior debate em torno delas e do protagonismo que irão dar a algumas dessas causas. A decisão de participar ou não participar será provavelmente a decisão mais difícil e arriscada de fazer. A tradicional forma simpática de agradar a “Gregos e a Troianos” tem cada vez mais os seus dias contados.

Conhecer a marca e o seu consumidor, entender os desafios do que se pretende defender e sobretudo antecipar o seu impacto presente e futuro no negócio serão decisões que irão passar a estar presentes para decisão na equipa de marketing. Mas este assumir de posição é também para o bem da marca, uma garantia que as suas práticas terão de ser corretas pois serão escrutinadas, e que não existe oportunismo na defesa da causa, mas antes uma enorme convicção e certeza.

Será um terreno de enormes oportunidades – para quem escolher a causa certa e a sua forma de participar – mas também um gigantesco risco de reputação e de danos para o negócio, pois dificilmente se conseguirá voltar para trás e defender o contrário.

Uma coisa me parece certa, ninguém poderá dizer que nada tem a dizer, sob pena de se tornar rapidamente irrelevante. Serão tempos fascinantes, estou certo!

Artigo publicado originalmente no ECO.