O custo económico da escassez de inteligência só será superado a curto prazo reconvertendo, reeducando, e sobretudo, dando oportunidades.
Vivemos, do ponto de vista tecnológico, um período sem paralelo em Portugal. Nenhum país da nossa dimensão conseguiu criar tantos Unicórnios; melhor, será necessário juntar Espanha, Grécia e Itália para chegarem ao mesmo número que o nosso país.
Só por isso devíamos estar orgulhosos! Mas há mais, a capacidade do nosso país para atrair hubs multinacionais de tecnologia que criam de raiz ou que mudam os seus centros de competência para Portugal tem sido surpreendente a todos os níveis. A diversidade de setores é também ela surpreendente, de setores tão distintos como as financeiras, o mercado automóvel ou o retalho digital.
Vários e positivos fatores têm contribuído para este desenvolvimento e para este sucesso. Desde logo, a qualidade formativa das universidades portuguesas que têm produzido talento de elevadíssima qualidade. Depois, e para além da formação, a natural apetência portuguesa para as línguas, permitindo que Portugal seja hoje o sétimo país do mundo com melhor proficiência no domínio da língua inglesa.
E eis que em 2016 a Web Summit muda-se para Lisboa. Criticada por muitos, apelidada de “feira de vaidades” ou de perda de tempo e dinheiro, a verdade é que vem ajudar a mudar mais rapidamente um setor em mudança acelerada no nosso país. Pela primeira vez, os grandes decisores internacionais da área da tecnologia “bateram” de frente com a realidade portuguesa: formação de alto nível, talentos bem preparados, escolas de grande qualidade formativa, ambiente social e económico estável, um elevado nível de segurança, dentro da zona Euro, mas…com salários muito mais baixos do que os países mais tecnológicos. Quando existem oportunidades, os grandes investidores normalmente não as costumam perder. E aqui não foi exceção: Portugal foi capaz de avançar rapidamente com inúmeros projetos tecnológicos e de suporte tecnológico com magnitudes e grandezas inimagináveis até então. E que bom que isso é! Finalmente o sonho de Portugal começar a vender produtos e serviços de alto valor acrescentado estava a acontecer.
Mas num mundo globalizado, nem tudo o que parece é. A tecnologia desmaterializou negócios. Mais do que transferências físicas, hoje preocupamo-nos com a transferência digital. O mundo físico entrou numa realidade quase paralela, onde é utilizado apenas como suporte a uma transação digital, e não o contrário. As maiores companhias de táxis, não os possuem; a maior empresa de turismo, não tem um único hotel; ou a maior empresa de venda de produtos, só agora começa a ter as suas primeiras lojas, e poucas. Todas estas mudanças de ecossistemas pedem suporte digital e tecnológico. Começaram a surgir um conjunto de novas profissões até aqui inimagináveis – alguém se lembraria, há 20 anos, de ter um gestor de redes sociais na sua equipa de Marketing? Ou um especialista em SEO? Ou um Analista de Data? E podíamos continuar. O emprego mudou e está a mudar. A inteligência artificial e a sua massificação em várias áreas e funções e a aplicação de machine learning noutras trará mais uma mudança enorme no mercado de emprego e nos empregos do futuro próximo.
No WYgroup, estamos todos os dias com uma insaciável curiosidade a tentar descobrir o novo. A pesquisar e a tentar recrutar o que ainda não existe. A tentar desenhar as funções do futuro. Sabemos que as profissões vão mudar. No seu âmbito e nas suas capacidades. E logo nas suas necessidades e conhecimentos. Mas será que nos podemos dar ao luxo de desperdiçar profissionais com experiência comprovada em vários setores, mas que, por motivos vários, não tiveram a hipótese de serem expostos aos processos de digitalização? Será que um profissional com 10, 15, 20 anos de experiência profissional não pode ser reconvertido? A resposta é óbvia e linear – é possível e é urgente que essa reconversão seja feita. Se, por um lado, a digitalização promove a destruição de algumas funções de baixo valor acrescentado, também é verdade que cria muitas outras de muito mais elevado valor e para as quais começamos a estar deficitários. E iremos ficar ainda mais no futuro, pelo que o trabalho de reconversão não só é necessário do ponto de vista do desenvolvimento humano, como será imprescindível do ponto de vista do desenvolvimento organizacional.
O momento que estamos a atravessar impele-nos e dirige-nos para essa solução. Acrescentar mais alunos às Universidades de Engenharia e Tecnologia tem um “time-to-market” de, pelo menos, três a cinco anos. Um processo de reconversão de um profissional maduro e competente pode demorar entre seis a 12 meses. O custo económico da escassez de inteligência só será superado a curto prazo reconvertendo, reeducando, e sobretudo, dando oportunidades.
Felizmente, existe em Portugal uma quantidade apreciável de entidades – públicas e privadas – com competências para promover essa transição. Para ajudar a que o momento que estamos a viver seja mais facilmente ultrapassado sem os custos económicos da escassez e o seu consequente aumento de preço. O desafio que fica subjacente é como fazê-lo em tempo útil e com a direção e o rumo certos. O desafio que temos pela frente pode significar um enorme salto qualitativo para o nosso país. Culturalmente, somos um povo tradicionalmente defensivo, que corre poucos riscos, ainda que o nosso passado mais glorioso tenha sido vivido exatamente graças ao arrojo e à audácia que nos levaram por caminhos que mais ninguém tinha percorrido até então.
Este é o momento para o voltar a fazer. Mas desta vez na área da educação e do emprego. Alterando o paradigma do fazer barato, para um de maior valor acrescentado. Alterando da manufatura para o pensamento. Mudando de setor e sobretudo aumentando valor. Se parte dos investimentos das empresas e se uma parte do valor que está no Plano de Recuperação e Resiliência for aplicado na reconversão dos mais de 100.000 portugueses que têm experiência e competência para partirem para um novo desafio profissional de maior valor, partiremos para um novo ciclo de desenvolvimento, onde as nossas competências estão entre as melhores do mundo.
Assim o queiramos fazer.
Artigo de opinião publicado originalmente na RH Magazine