A lição aqui é clara: mudar é absolutamente necessário, mas nunca à custa da alma da marca. Esta não se vende nem ao Diabo!
O mundo das marcas tem assistido recentemente a transformações e alterações que não deixam ninguém indiferente. A mudança recente da Jaguar, e o filme que a suportou, criaram um enorme coro de protesto e indignação pelo corte radical que fez com o seu passado e pelo aparente apagamento dos mais de 100 anos de história da marca. Será que existe justificativo para tal? Será que um problema comercial, ligado ao produto, o justifica? Qual é o limite para um rebranding?
São, portanto, muitas as dúvidas e as questões que me surgem quando olhamos para esta temática.
As alterações feitas pela Jaguar — uma das mais icónicas marcas automóveis britânicas, com mais de 100 anos de história — adotaram uma abordagem radical na sua mudança. Partiram de uma imagem forte de um felino conhecido pela sua velocidade exuberante e tornaram o logótipo num conjunto de letras arredondadas mais próximas das utilizadas na indústria da moda.
Enfrentando retrocessos significativos nas vendas, e num momento em que a indústria automóvel atravessa uma transformação profunda com a eletrificação, a marca optou por uma reinvenção total. No entanto, esta mudança gerou uma onda de controvérsia, especialmente nas redes sociais, onde muitos acusaram a Jaguar de abandonar as suas raízes e alinhar-se com uma cultura “woke” que, para alguns, desvirtua a essência da marca.
Esta decisão levanta uma questão crítica: faz sentido uma marca deitar fora décadas de história e tradição apenas porque o portfólio atual não está a ter a performance esperada? A resposta não é simples, e exige reflexão. A força de uma marca reside não só na qualidade dos seus produtos, mas na narrativa que construiu ao longo do tempo. Quando essa narrativa é abruptamente descartada, corre-se o risco de alienar a base de consumidores mais fiel, sem garantir ainda a conquista de novos públicos.
Sem dúvida que as marcas precisam de evoluir para sobreviver. Esta evolução pode e deve implicar mudanças — mas mudanças que construam sobre o passado e não o apaguem literalmente. No maravilhoso mundo das marcas falamos muito em consistência como um valor fundamental. Onde está ela neste exemplo?
Temos vários outros exemplos que demonstram que é possível modernizar uma marca sem comprometer a sua identidade. Já a Jaguar, ao optar por esta rutura radical, compromete a sua herança de excelência e sofisticação, alienando os consumidores que valorizam precisamente essa tradição e que, para todos os efeitos, são aqueles que hoje conduzem os seus carros.
O verdadeiro desafio está em equilibrar inovação com o respeito que a história nos deve sempre merecer. Se uma marca pretende manter o seu nome e a sua reputação, deve saber honrar o que já conquistou. É a partir dessa base sólida que se constrói o futuro. Caso contrário, talvez seja preferível criar uma nova marca do zero, livre de qualquer legado. Que sentido faz mantermos aquilo que na nossa análise só nos atrapalha? Ficamos com o nome, mas queremos perder os valores de mais de uma centena de anos. Faz sentido?
O rebranding é uma ferramenta poderosa, mas deve ser usado vindo de uma estratégia bem clara e com grande sentido crítico. A mudança deve ser uma evolução bem pensada, não uma simples reação ao mercado ou às tendências do momento. As marcas não podem esquecer que a sua história é parte integrante do seu valor. Quando bem feita, a mudança reforça a identidade; quando mal conduzida, coloca em risco décadas de construção e agrava, certamente, o problema que está na sua origem.
A lição aqui é clara: mudar é absolutamente necessário, mas nunca à custa da alma da marca. Esta não se vende nem ao Diabo!
Artigo escrito por João Santos, COO do WYgroup, originalmente publicado na revista ECO