João Santos - COO at WYgroup

Marcas Portuguesas: o poder da qualidade invisível

João Santos - COO at WYgroup
João Santos

Lembro-me da queixa recorrente de que a marca Portugal não ajudava às nossas exportações. Agora temos a marca Portugal mais forte de sempre. O que vamos fazer com ela e como a podemos aproveitar?

Portugal é um país rico em património cultural e artístico e possuidor de habilidades artesanais de alto valor em vários setores e especialidades. Hoje, grandes marcas internacionais têm no nosso país os seus hubs de produção em setores tão diversos como o calçado e o têxtil, passando pelos curtumes e pela joalharia, e terminando em setores mais recentes como a engenharia e o desenvolvimento de software. Portugal, e os portugueses, sabem fazer.

Mas quando olhamos para as nossas estatísticas económicas aquilo onde invariavelmente estamos mal é no nível de produtividade que aparece sempre baixo quando comparado com outros países europeus. Os economistas queixam-se dos modelos de trabalho, eu, enquanto gestor, queixo-me do modelo de negócio: vendemos para terceiros sem marca, e por isso mesmo com muito menos valor acrescentado.

A título de exemplo, somos o único país da Europa Ocidental que não tem uma grande marca internacional de Luxo. E o luxo, diga-se o que se disser, é o único ecossistema que cria valor em toda a sua cadeia. Mas este artigo não é sobre luxo, mas sobre marcas e o valor que elas ajudam a criar e a desenvolver.

Porque não temos grandes marcas em Portugal

Historicamente existem algumas explicações para o facto de não termos conseguido criar uma tradição de criação de marcas fortes. O facto do modelo nascido após a Lei de Condicionamento Industrial de 1937 levou à criação de um ambiente não concorrencial e focado no desenvolvimento do mercado interno. É verdade que se criaram “artificialmente” grandes grupos económicos, mas, praticamente, sem nenhuma concorrência entre si, pelo que dificilmente poderia existir uma grande apetência pelo desenvolvimento de marcas, uma vez que aquelas que existiam seriam hegemónicas. Depois, estes grupos foram criados para se focarem num mercado interno alargado e protegido, e nunca em mercados concorrenciais internacionais. Após 1974, com a abertura dos setores à iniciativa privada, há uma atomização de pequenos negócios que ainda hoje são a base do nosso tecido empresarial, com as dificuldades conhecidas na capacidade de investimento e consequentemente com pouca visão de médio e longo prazo, absolutamente essencial para o desenvolvimento de modelos de negócio assentes em marcas.

O “novo” modelo português

O empreendedor português baseado sobretudo no saber fazer que adquiriu, resolve abrir o seu negócio alavancado numa estrutura de recursos humanos de baixo custo. Como todos os negócios quando nascem necessitam de liquidez imediata, prefere vender o seu “expertise” imediatamente a quem o coloque no mercado e a quem o consiga valorizar. Para si é o balão de oxigénio que permite manter empregos e pagar contas, para os seus clientes é o “brinde” que precisam, baixos custos de produção com elevada qualidade. E este modelo acaba por percorrer indústrias e setores e ser quase transversal a todo um setor industrial pós-revolução. E como as coisas correm bem, porquê mudar? E a década de 80 e parte da de 90 do século passado foi assim para muitas empresas portuguesas que crescem a fabricar para terceiros e onde aquilo que mais se destacava era o parque automóvel que o modelo conseguiu criar nalgumas zonas do Norte de Portugal.

Mas, eis que surge a China e o panorama muda radicalmente.

O modelo atual e onde nos pode levar

Portugal, apesar da sua dimensão, consegue ter ainda um conjunto de setores onde possui relevância internacional e onde é reconhecido pela sua qualidade e capacidade de entrega.

Na indústria têxtil e de vestuário é reconhecida a qualidade e a precisão da nossa produção. Inúmeras marcas internacionais redescobriram Portugal durante a pandemia, como o porto de abrigo para as suas produções europeias. E são várias as marcas internacionais que aqui produzem as suas novas coleções, desde o fast fashion até ao high-end. E o mesmo se aplica ao setor do calçado, onde apenas Itália rivaliza connosco em matéria de qualidade e Espanha em volume de produção. Depois ainda temos o mobiliário, os curtumes e as peles, os vinhos e o agro-alimentar e até a joalharia, com várias marcas de luxo a produzirem em Portugal algumas das suas peças mais impressionantes.

E pela primeira vez na nossa história temos um setor globalmente reconhecido e admirado – o turismo. A capacidade que neste momento temos de ser reconhecidos com um destino de grande qualidade e desejado por muito abre-nos portas que nunca antes da nossa história foram possíveis. Lembro-me da queixa recorrente de que a marca Portugal não ajudava às nossas exportações. Agora temos a marca Portugal mais forte de sempre. O que vamos fazer com ela e como a podemos aproveitar?

E pela primeira vez na nossa história temos um setor globalmente reconhecido e admirado – o turismo. A capacidade que neste momento temos de ser reconhecidos com um destino de grande qualidade e desejado por muito abre-nos portas que nunca antes da nossa história foram possíveis. Lembro-me da queixa recorrente de que a marca Portugal não ajudava às nossas exportações. Agora temos a marca Portugal mais forte de sempre. O que vamos fazer com ela e como a podemos aproveitar?

E de repente, temos o consumidor na nossa frente


O turismo tem um duplo papel absolutamente fundamental na economia portuguesa. Em primeiro lugar é um setor exportador e de grande importância em termos de receita e de emprego. Depois, também é um setor que nos permite dar a conhecer aos milhões que nos visitam aquilo que fazemos. E não estou seguro de que estejamos a fazer tudo aquilo que seria possível para o conseguir.

A verdade é que cada visitante é um potencial cliente para o futuro. É um contacto de grande valor que, em primeiro lugar, quer vir conhecer-nos. Ou seja, a barreira da captação está vencida. Agora há que trabalhar qual o melhor modelo para dar a conhecer Portugal e as suas marcas a estas pessoas. E aqui, acredito, ainda temos muita coisa para desenvolver aproveitando o turismo como plataforma de divulgação.

Tudo tem de passar por uma maior colaboração entre empresas. Sabemos que tradicionalmente o empresário português é pouco dado a estas coisas e não é propriamente o mais associativo dos empresários do mundo. Mas também aqui a mentalidade precisa de mudar. A cooperação entre empresas ajuda a alcançar economias de escala, permite a partilha de custos e de riscos, compartilha-se recursos e conhecimentos e aumenta-se a nossa competitividade. Através de parcerias podemos reforçar a nossa presença internacional, expandir capacidades de produção e aproveitar em conjunto oportunidades. As grandes marcas mundiais fazem parcerias. Já viram alguma entre marcas portuguesas com essa intenção?

O caminho da mudança e da afirmação

Tudo tem de começar por um pensamento e por uma lógica de longo prazo. Uma marca demora tempo a criar, exige coerência e consistência durante anos para que se possa afirmar. Depois necessitamos de claramente definir os mercados-alvo. É um erro para as empresas portuguesas procurarem o mercado global como se conseguissem chegar a todo o lado. A dispersão e a adaptação de produto que isso provoca leva a um enorme desgaste corporativo que muitas vezes está na origem da desistência dos projetos.

Depois, é importante que as empresas procurem sinergias entre si. Se há uma necessidade de abordar o mercado americano por parte de três empresas, porque não se juntam para criar uma proposta de valor que faça sentido. Porque é que uma empresa de queijos, uma de vinhos e uma de enchidos não podem trabalhar em conjunto num mercado comum preferindo ir cada uma por si? Por que razão não procuram sinergias e potenciam o seu cross-selling? Por que razão não estão presentes em conjunto na Amazon ou noutro qualquer marketplace, aumentando assim as suas hipóteses de sucesso e minimizando os seus custos de entrada?

Não sou fã de esperar que o Estado (que somos todos nós) resolva os problemas que cada um pode solucionar. Mas acredito num Estado que ajude e facilite processos que sejam críticos para determinados aspetos da nossa vida comum. Muito se tem feito em termos de programas de incentivo à exportação e às empresas para o fazerem. Julgo que a questão da marca tem sido esquecida nestes processos, o que leva a uma continuidade do modelo que não nos leva a lugar nenhum.

A marca tem de passar a estar presente nas políticas publicas de incentivo às exportações como garante do seu maior valor acrescentado. Apoiar modelos de baixo valor é deitar dinheiro fora, pois o seu valor real será perdido a muito curto prazo. Para isso, o incentivo à criação de marcas, e ao seu registo nacional e internacional, poderia ser auxiliado por uma entidade pública. É o primeiro obstáculo do empresário, se ele puder ser mais facilmente ultrapassado estaremos no bom caminho.

Para além disso, a construção de uma política de incentivos fiscais a vendas internacionais feitas com marca e a novos modelos de negócios assentes em plataformas de venda direta e o apoio a modelos de parcerias internacionais interempresas e intersetoriais deveriam merecer também uma particular atenção das entidades públicas aquando da definição das suas políticas de apoios.

Mais do que uma questão de orgulho, a criação de marcas internacionais em Portugal é determinante para a afirmação do nosso país como produtor de grande valor acrescentado com todas as inerentes vantagens e resultados que isso nos dará. Deixemos de fazer para quem nos pede, para passarmos a produzir para quem nos quer. A diferença não é subtil.

Artigo de opinião originalmente publicado no ECO.