Continua a espantar-me o posicionamento e até o antagonismo que algumas instituições têm demonstrado perante o rápido crescimento da IA. Não podemos parar o futuro e o vento que sopra não irá parar.
Li há alguns dias uma excelente entrevista no ECO do André Veríssimo ao Novo Dean da NovaSBE que esteve na origem desta minha curta reflexão sobre Inteligência Artificial (IA) e a sua utilização, ou não, como substituta da criatividade humana.
Devo dizer, para início de conversa, que não sou dos catastrofistas que pensam que vamos ser todos substituídos e que as máquinas vão mandar em nós. Aquilo que acredito é bem mais simples: Aqueles que não utilizarem IA serão certamente substituídos, pois ficarão rapidamente obsoletos. E isto é verdade para pessoas, processos e organizações. A capacidade de aceleração da IA será absolutamente determinante e necessária para as nossas novas tarefas substituindo muito rapidamente tudo o que é manual, repetitivo e com pouco valor acrescentado.
Num momento em que ainda estamos a “arranhar” a superfície do que aí vem, é importante notar que a Inteligência artificial não é uma tecnologia nova. O que é novo, e disruptor, é a forma encontrada de interação com a máquina através de linguagem natural em vez de programação. Esta capacidade democratiza o acesso e permite um conjunto de aplicações absolutamente transversal a todas as áreas, negócios e práticas.
A grande discussão do momento, em empresas, universidades e na sociedade é se o produto que sai da IA é ou não criativo. Se é, de quem é a sua propriedade, ou se quisermos quem é o seu autor? A máquina ou quem o conseguiu gerar? E os modelos em que a máquina se inspirou, têm algum direito?
Genericamente, a criatividade é a capacidade de produzir ideias, soluções ou produtos originais e com valor. É um processo complexo e muitas vezes difícil de descrever que envolve imaginação, pensamento divergente, associação de ideias e a capacidade para observar e estabelecer ligações entre factos e objetos aparentemente não ligáveis entre si.
Já a IA desenvolve o seu produto baseado em computação feita através de algoritmos e de modelos matemáticos que se baseiam em dados e em informações do passado. Ou seja, a máquina precisa de entender o passado e de o relacionar para conseguir produzir algum tipo de conhecimento. O melhor exemplo disto é a música. Sendo muito simplista, existem sete notas que podem ser combinadas entre si. Logo existe um conjunto de combinações para essas mesmas notas que se vão multiplicando a cada segundo de trecho musical. Quando se aplica IA aquilo que a máquina vai fazer é verificar que combinações já foram feitas e procurar outras que ainda não tenham sido. E com isso constrói o primeiro nível da partitura. Depois faz o mesmo para o ritmo, de seguida para os instrumentos e assim por diante, até conseguir construir algo completamente novo. Se gostarem destes temas espreitem o projeto AIVA (Artificial Inteligence Virtual Artist) onde rapidamente nos podemos tornar compositores de qualquer estilo musical.
O mesmo se passa na arte. A empresa francesa Obvious criou um quadro chamado “Portrait of Edmond de Belamy” que imita a pintura clássica do século XVIII. Foi tão surpreendente que acabou por confundir críticos e “especialistas” e acabou vendido pela Christie’s por mais de 400 mil dólares.
Embora a IA tenha conhecido nos últimos meses um avanço muito considerável, existem ainda muitas limitações face à criatividade humana. Uma das principais limitações é a incapacidade da IA para compreender completamente o contexto cultural e emocional em que a criatividade humana é gerada. Neste sentido a IA é limitada pois aprende a partir de dados pré-existentes, o que pode levar a um viés na produção de conteúdo criativo.
Outra limitação é a falta de capacidade de experimentação e improviso. A criatividade humana é muitas vezes influenciada por fatores emocionais e experiências pessoais, o que leva a uma abordagem mais livre e menos constrangida na criação do conteúdo criativo. A IA não só está limitada a algoritmos e a modelos matemáticos como não consegue replicar o talento e a habilidade técnica da natureza humana. De facto, o maior desafio para estas ferramentas é a incapacidade para compreender contextos emocionais, nuances culturais, habilidades técnicas e a sensibilidade emocional que tantas vezes fazem a diferença.
A questão ético-legal tem sido um dos pontos de maior discussão. Será útil para uma sociedade colocar uma máquina a imitar os quadros de um dos seus grandes mestres? Quem é o autor? Quem deve receber o valor que essas obras ainda assim poderão ter? Depois existe ainda a questão dos “deep-fake”, modelos de composição de imagem e de som que utilizando imagens geradas conseguem “imitar” uma personalidade num local ou num momento que não viveu dizendo aquilo que nunca disse. Mas como alguém uma vez me disse, um martelo é um martelo e pode servir para pregar um prego e ser útil ou pode servir para agredir alguém. Mas nunca deixará de ser um Martelo.
Quando olhamos para a Comunicação e para o Marketing, vemos de imediato um enorme conjunto de oportunidades para clientes e agências, para publicitários e para marketeers.
A boa notícia é, como ambos terão à disposição as mesmas ferramentas, pelo que aquilo que efetivamente for criado com mais valor será de imediato percetível por todos. Os trabalhos irão ser mais focados naquilo que efetivamente terá maior valor acrescentado para as marcas e a capacidade para o foco e para a produtividade será largamente aumentada para ambas as partes.
Imagino do lado dos marketeers trabalhos mais profundos de conhecimento da marca e da sua concorrência. Uma maior partilha de informação com os seus parceiros alicerçada num conjunto de dados que ainda que são públicos terão agora, por força da sistematização, ainda mais valor. As estratégias serão mais exigentes e mais pensadas, e os insights de negócio serão ainda mais importantes e os verdadeiros catalisadores da construção das marcas.
Do lado das agências existirão tarefas que deixarão de fazer sentido e por isso mesmo algumas dos seus serviços pura e simplesmente deixarão de existir no atual modelo. Novas profissões serão criadas para cada uma que for desaparecendo. Irá ter de existir, por exemplo, um “prompt engineer” em cada organização. Alguém que irá aprender e a desenvolver sensibilidade para melhor interagir com a máquina. Será um linguista? Um copy? Um engenheiro? Teremos de ainda de descobrir.
No entanto, continua a espantar-me o posicionamento e até o antagonismo que algumas instituições têm demonstrado perante o rápido crescimento da IA. Não podemos parar o futuro e o vento que sopra não irá parar colocando apenas as mãos na frente da cara. O vento está cá e veio para ficar. E que sorte temos, enquanto geração, de o estar a viver.
Tal como aconteceu com o aparecimento da eletricidade, depois da internet e agora da IA, muitos empregos e profissões irão desaparecer, mas muitos outros de muito maior valor acrescentado irão ser criados. E no limite, isso é o progresso e evolução e sempre aconteceu ao longo da história.
Que a desconfiança dê lugar à esperança e à curiosidade, pois quanto mais depressa o fizermos melhor será certamente a nossa profissão e a nossa vida. Que as mãos saiam da cara para que consigamos ver os sorrisos.
Artigo publicado originalmente no MaisM.