Ao terminar a faculdade, a minha primeira candidatura foi à Linden Labs. Esta empresa de San Francisco era a criadora da comunidade virtual Second Life, um mundo para os residentes criarem a vida digital que quisessem.
Na altura, até por conhecer o mundo dos e-sports, acreditava que havia futuro ali – espaços onde a realidade se mistura com o digital e onde as limitações da vida terrena passariam a estar dependentes apenas da nossa imaginação.
Hoje estamos a um passo deste futuro. Combinar mixed reality, gen AI e brain-computer interface irá trazer o conceito e potencial do Second Life para algo que se mistura, entranha e confunde com a nossa primeira vida. Hoje, curiosamente, dar este passo já não me atrai.
O fascínio pelas novidades tecnológicas ainda o tenho – anseio por experimentar e o que aí vem entusiasma mais do que me assusta – mas, pensando no tempo que passamos entorpecidos frente a um ecrã, é certo que muita da aplicação destas inovações não será para nosso benefício. Tenho a convicção que é nosso dever como pais e profissionais garantir que estas novidades trabalham para nos aproximar do que mais importa e não o contrário, ou que, pelo menos, nos devolvem tempo para usar livremente com as nossas pessoas e com o mundo real que nos rodeia.
Sabemos que serão as big tech a ditar de que forma a atenção da humanidade será usada. Infelizmente, muita desta será desperdiçada, reforçando simultaneamente a sede de maior consumo de informação e uma intolerância à vida a uma velocidade real. Quanto a isto, sabendo que será por aqui o caminho, o que podemos fazer é cultivar uma consciência comum dos impactos desta desatenção e tentar criar uma relação equilibrada entre o analógico e o digital.
Sabemos também que estas tecnologias serão utilizadas pelas empresas no nosso canto europeu, particularmente em produtos e experiências digitais que irão impactar o dia-a-dia dos portugueses.
Para promover esta transformação é preciso começar já a estimular a curiosidade das nossas equipas, ter a abertura para olhar para os desafios com uma nova lente, deixar espaço para a experimentação e fomentar uma cultura segura que tolere o falhanço inerente à inovação.
E para que a evolução aconteça na direção certa, é nossa responsabilidade definir uma visão e princípios claros que suportem o desenvolvimento destas novas soluções – começando por garantir a segurança dos dados e transmitir com transparência o propósito da sua utilização, há que testar exaustivamente o que vamos colocar na rua (não lançar apenas para que a marca pareça inovadora) e ter a honestidade de focar os nossos esforços em satisfazer necessidades existentes e resolver os problemas que mais impactam os nossos clientes e consumidores.
Artigo por António Cancela de Abreu, Head of Product Strategy and Design na Bliss Applications e publicado originalmente na LIDER Magazine.