João Santos - COO at WYgroup

Aumentar ou não aumentar, eis a questão…

João Santos - COO at WYgroup
João Santos

Na última década, Portugal foi capaz de criar um conjunto de escolas de referência na área da Engenharia, que têm sido capazes de produzir um conjunto de talentos de muito elevado potencial.

Se juntarmos a esta condição o facto de o português ser naturalmente introspecto e de ter uma habilidade natural para entender e dominar línguas estrangeiras, Portugal foi competente ao criar uma geração de alto valor tecnológico.

Dispor deste talento deveria ter permitido uma modificação estrutural ao nível dos sistemas de informação e dos modelos de digitalização das empresas portuguesas, sejam elas de que dimensão forem. Durante mais de uma década, as empresas portuguesas tiveram algum do melhor talento mundial à sua disposição a um preço inegavelmente baixo.

Portugal descobriu o mundo no século XV e foi descoberto no século XXI. O início da realização da Web Summit em Lisboa permite mostrar o país e o seu ecossistema tecnológico a um conjunto de CTO’s que rapidamente compreendem o potencial da localização: seguro, estável, competente, bem formado e… barato!

Daí, até a abertura de grandes centros de competência tecnológicos, foi um pequeno passo. E hoje em dia perdem-se conta às multinacionais que reposicionaram os seus centros para Portugal, aproveitando assim uma parte muito significativa dos seus recursos tecnológicos. Este movimento simultâneo cria um primeiro impacto visível no mercado: a escassez de recursos.

Ora essa falta de recursos começa a produzir o segundo efeito de curto prazo: quando aquilo que queremos não existe na quantidade que pretendemos, a solução é pagar mais para o obter. São as dinâmicas e o mercado a funcionar.

Como se esta situação não fosse já suficientemente desafiante, eis que surge uma pandemia e o início da segunda grande alteração estrutural: o trabalho remoto. Rapidamente os talentos tecnológicos aperceberam-se da sua capacidade para trabalhar para outras geografias desde a tranquilidade das suas casas. Quando mercados como o norte-americano vivem uma crise de escassez de recursos tecnológicos tudo à sua volta é absorvido, incluindo muitos talentos nacionais. O duplo efeito volta-se a verificar: maior escassez e maior custo.

O custo de oportunidade

As empresas portuguesas fornecedoras de serviços tecnológicos vêem-se agora em mãos com um dilema: ou perdem os seus talentos ou acompanham as remunerações em grande medida já praticadas noutras geografias e noutras economias, com um poder de compra e uma agressividade económica incomparável superior à portuguesa. . E a solução só pode passar por aumentar remunerações, o que significa aumentar em muito os custos operacionais de empresas que são imensamente dependentes dos seus talentos. Sem pessoas não se desenvolvem produtos, nem se prestam serviços. Mas para as manter e para assegurar a continuidade dos negócios, as empresas vão também elas ser forçadas a fazer escolhas: a quem servir perante a escassez de recursos, e a que preço perante o seu aumento.

As empresas portuguesas, habituadas a valores muito mais baixos que os praticados noutros mercados, não estão preparadas para o choque que vão receber. O primeiro impacto será o ter de competir em preço com os valores que são praticados noutras geografias. A palavra que vamos mais ouvir? Incomportável. Depois, e mesmo que o valor seja, mesmo que a custo, suportável, há a questão da escassez. Não vai ser quando a empresa quer, mas quando for possível.

O dilema

Num momento em que os ecossistemas digitais e tecnológicos são críticos e vitais para a esmagadora maioria dos negócios, o actual panorama dos talentos tecnológicos pode representar um dos maiores constrangimentos ao desenvolvimento do país a curto e médio prazo. Tudo o que as universidades portuguesas conseguem disponibilizar, é absorvido pelo mercado de imediato. Abrir mais vagas tem pelo menos a necessidade de mais três anos para produzir resultados. E três anos na vida de uma empresa pode significar o seu fim. Talvez pela primeira vez na história do trabalho, haja um conjunto de profissões ditas normais que terão um padrão de remuneração global. O futebol foi talvez o primeiro exemplo global de padrões remuneratórios, mas nunca antes um conjunto de profissões foi capaz de globalizar o seu padrão de remuneração. Mas haverá solução?

Em primeiro lugar há boas notícias, há valor a entrar no país e há uma nova indústria potencialmente exportadora que se posiciona. E irá exportar produtos e serviços de alto valor acrescentado.

Mas também há más notícias: os sectores mais tradicionais da nossa economia e aqueles que precisam de fazer os ajustes ao seu modelo económico, aproveitando todos os benefícios dos ecossistemas digitais e tecnológicos, irão sofrer e em muitos casos perder a competitividade de que tanto necessitam. As necessidades de curto prazo que temos só serão supridas com recurso a outras geografias – o Brasil é uma delas graças ao atractivo segurança que conseguimos oferecer – e a formações de reconversão que permitam a determinados perfis entrarem neste mercado não pela via universitária, mas pela via profissionalizante. Para que tal suceda, é necessário que as empresas tomem as suas decisões rapidamente, pois nunca como antes o tempo vale dinheiro, muito dinheiro!

Artigo de opinião publicado originalmente na Human Resources.