Seguir a corrente é fácil. É previsível, seguro, e, em teoria, parece uma boa jogada. Mas aquilo que distingue as marcas memoráveis das restantes é a coragem de ignorar o hype e focar no que importa: valores e consumidores. Porque, às vezes, o verdadeiro desafio está em dizer “não, obrigado, sabemos quem somos.”
Ainda eu cá não andava e já a Volkswagen o fazia com o Beetle no final dos anos 50, num dos case studies mais citados de sempre: enquanto a concorrência apostava em carros maiores, a Volkswagen foi na direção oposta. Com o Think Small, a marca evidenciou a sua essência: simplicidade e eficiência. O impacto? Redefiniu o mercado automóvel e mostrou que ser diferente pode ser o caminho certo.
Ao saltar para cada tendência, corremos o risco de parecer… desesperados. Quem nunca viu uma marca tentar ser cool e acabar a soar àquele amigo que insiste em usar expressões completamente datadas?
A interação cringe entre Meta, Pepsi e Budweiser durante o boom do Metaverse no ex-Twitter é um perfeito exemplo, em que as marcas tentaram usar gíria do meio sem propriedade, virando rapidamente meme na comunidade… pelas piores razões. WAGMI, frens!
Por outro lado, às vezes a falta de tato mascara-se de coragem…
Vivemos numa sociedade polarizada, em que a estupidez natural parece desenvolver-se mais rápido do que a inteligência artificial, e é preciso que as marcas estejam seguras das suas escolhas. Nem todas estão preparadas ver os seus feeds invadidos por go woke, go broke – nem para o impacto que isso possa ter no seu negócio.
O caso da Bud Light tornou-se um exemplo emblemático disto. Em 2023, a marca colaborou com a influenciadora trans Dylan Mulvaney, gerando uma reação negativa massiva de segmentos conservadores – muitos deles, consumidores da marca – incluindo boicotes, vídeos a destruir produto e uma queda significativa nas vendas. Simultaneamente, grupos LGBTQIA+ também criticaram a empresa por não defender a campanha e recuar sob pressão, resultando numa situação lose-lose para marca.
Assim, é importante que a rebeldia tenha contexto. Se soubermos qual o nosso propósito e com quem estamos a comunicar, tomar uma posição assertiva, com risco calculado, pode ter um retorno e um efeito de seleção natural que se sobrepõe a todo o backlash, construindo confiança a longo prazo.
A Patagonia é um excelente exemplo – ao priorizar a sustentabilidade acima do lucro rápido, tem vindo a criar uma lealdade genuína e duradoura. O seu fundador, Yvon Chouinard, transferiu a participação na empresa para uma ONG focada em combater as alterações climáticas e proteger reservas naturais, que passou a dispor de $100M por ano – o lucro da marca – para o fazer.
Mais do que diferente, é importante ser relevante e agir em contexto. No meio de um mercado saturado por modas passageiras, a autenticidade continua a ser o verdadeiro ato de coragem. E sejamos sinceros: há algo de irresistivelmente poderoso em ser a marca que decide nadar contra a corrente.
Este artigo de opinião foi escrito por Miguel Pires, Co-Founder & Creative Partner da NERVO, foi publicado na edição nº 28 da revista Líder, sob o tema Silêncio.