A força de um bom “insight”

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João Silva, estratega criativo da WhiteWay, participou na rubrica “Como é que não me lembrei disto?” da revista Meios & Publicidade, onde revelou qual a campanha que gostaria de ter idealizado e destacou o projeto de sua autoria que mais o marcou a nível profissional.

Qual é a campanha que gostaria de ter feito?

Admito que há muitas. É algo comum nesta indústria e que vejo com bons olhos, esta inveja boa de vermos valor no trabalho uns dos outros. No meu caso, perante esta pergunta lembrei-me de uma campanha antiga da Fundación Ace, um Centro de Investigação sobre Alzheimer, sob o mote “Regala memoria” que teve continuidade de outras formas nos anos seguintes. No caso específico da campanha que refiro, o que me chamou mais a atenção foi um video que mostra uma mulher a abordar transeuntes na rua como se se conhecessem mutuamente. Perante a visivel confusão das pessoas abordadas, que não se recordam dela, é entregue um pequeno cartão com a frase “É assim que se sente um doente de Alzheimer.” Este vídeo já tem alguns anos, hoje em dia provavelmente já seria feito de outra forma, uma vez que temos outro sentido crítico. No entanto, continuo a considerar esta uma ideia fortíssima. A campanha de sensibilização para os doentes de Alzheimer, da Tiempo BBDO/Madrid para a AFALcontigo, é a que João Silva gostaria de ter feito. O estratega criativo da WhiteWay aponta o trabalho para o centenário da Bial como o que mais gostou de fazer.

Quais são as razões dessa escolha?

Diria que há duas grandes razões fundamentais. A primeira passa pelo facto de todo o valor estar na ideia em si. Não precisa de enormes artíficios, não precisa de imagens espectaculares. Precisa sim de uma boa performance da protagonista, mas para além disso, fica bem demonstrada a força de um bom insight. A segunda razão prende-se com o facto de demonstrar que nem sempre o dramatismo de uma tema tão sério tem de ser explicito: ao fazer de uma forma tão simples os abordados sentirem na pele o que um paciente sente, a história fica subentendida, podiamos ser nós a vive-la e contá-la. Na minha opinião é isso que lhe confere particular impacto. 

O que lhe chamou mais a atenção?

A clara sensação de que “podia ser eu”. Esta é uma campanha que enfrenta muito bem uma das percepções mais comuns neste tipo de temática, o “só acontece aos outros”. Sem necessitar de uma narrativa dramática, esta ação acontece exactamente onde a vida acontece, no meio da rua, como uma parte inesperada do quotidiano. 

Esta campanha inspirou-o a nível criativo? Se sim, em quê e de que formas?

É uma campanha que me recorda que tudo o que fazemos em comunicação, seja para que marca ou sector for, é para pessoas. Recorda-me que sim, somos consumidores, somos profissionais, pertencemos a targets e segmentos, temos comportamentos identificáveis, acções mensuráveis, mas somos acima de tudo e fundamentalmente pessoas. Porque nesta campanha se consegue fazer experienciar claramente e de uma forma literalmente memorável, que um paciente de Alzheimer é acima de tudo uma pessoa, e que pessoas somos todos. Creio que provoca aquele “murro no estômago” de surpresa, sem nos apercebermos sequer que estamos numa luta. Não há murro que provoque mais efeito do que esse.

Qual é a campanha que fez e que mais o concretizou profissionalmente? Porquê?

É dificil de identificar porque felizmente são bastantes. Qualquer projecto através do qual sinta que estou a ajudar o cliente a descobrir o potencial da sua marca, enquanto contribuo para a percepção da agência, me satisfaz. No entanto, em linha com a campanha que escolhi anteriormente, escolheria destacar o trabalho feito para o centenário da Bial, no qual criámos a assinatura, linguagem e todo o mood gráfico. Fazer parte do centenário de uma empresa portuguesa com grande histórico no apoio à sociedade no combate à doença mental foi extremamente gratificante.

Como é que chegou a esta ideia e avançou para a execução?

Acredito que a campanha espanhola que referi também teve um contributo na inspiração, porque me relembrou que a solução certa passaria por algo que mostrasse a relevância do trabalho da marca num contexto quotidiano. Assim, criámos uma linguagem que funcionasse em diversos cenários e que pudesse impactar os diversos públicos no seu dia a dia. A partir daí foi identificar os pontos nos quais os paralelismos poderiam ser mais fortes e criar mensagens simples e imediatas que facilitassem a percepção da ideia por parte das pessoas.

O que é que faz quando não tem ideias?

Ao longo do tempo aprendi que o mais importante é não entrar em pânico. Isso passa por vezes por me permitir abordagens que me retirem a pressão por alguns momentos: se sinto que não estou a encontrar a resposta certa, dedico uns minutos ao exercício de explorar respostas erradas, por exemplo. Ou tentar formular a pergunta de outra maneira. Isso permite-me olhar de outra forma para o desafio e descortinar novos caminhos que possam contribuir para a solução. “Em caso de dúvida ou persistência dos sintomas”, nada que uns minutos de caminhada não resolvam. 

Artigo originalmente publicado na Meios & Publicidade.