Uma data-driven brand não é uma bala de prata, mas é a forma mais inteligente de mitigação do risco e dos custos para uma entrada de sucesso em mercados internacionais.
Um dos maiores desafios que continuamos a ter em Portugal é a dificuldade que temos em criar marcas de sucesso e levá-las para o mercado global.
Os casos de sucesso são, infelizmente, reduzidos e estão limitados a pouco setores. Se não há dúvidas de que existe no nosso país o conhecimento do “saber fazer”, há uma mentalidade e, mesmo, uma cultura empresarial que nos leva a procurar soluções de curto prazo e necessariamente de mais baixo valor. Quando confrontado com a questão e a ideia de que a dimensão do país justifica a nossa “aversão” à criação de marcas, respondo sempre da mesma maneira: a Suíça – tem menos população que Portugal, menos de metade do seu território e tem mais de 300 marcas internacionais em setores tão distintos, como a alimentação, a indústria ou os artigos de luxo.
A última década em Portugal levou muitas empresas a fazerem investimentos bastante avultados em tecnologias de Informação e hoje, todas as empresas com dimensão relevante, têm um ERP na base do seu sistema de Informação. Mas o que fazemos com esses sistemas? Basicamente duas coisas: Faturamos e pagamos impostos. Há uma visão quase monolítica da existência destas plataformas, como se tudo na vida empresarial se resumisse à contabilidade e aos impostos. Esses investimentos empresariais avultados têm de servir para mais, para muito mais.
O déficit de marcas internacionais portuguesas
Não é novidade de que o nosso país tem uma imensa dificuldade em criar marcas de reputação e com visibilidade internacionais. O nosso país é conhecido por muitos produtos e por ser um fabricante de grande qualidade. Temos vários setores onde aquilo que produzimos é internacionalmente conhecido, mas temos poucas, muito poucas, marcas portuguesas que conseguiram triunfar internacionalmente. Há setores eminentemente exportadores, como o calçado ou o têxtil, onde a grande maioria dos produtos exportados são na realidade vendidos com marcas de terceiros, perdendo assim o produto grande parte do seu valor acrescentado por não ter marca. Mas o problema não se resume ao marketing e ao branding. As dificuldades são claras também em setores que exigem investimentos em pesquisa e desenvolvimento ou em programas mais complexos de inovação, nomeadamente por dificuldades de acesso a recursos financeiros e tecnológicos.
O processo de transformação digital
Muitas empresas estão num processo de transformação digital, seja pela criação do seu ecossistema digital, seja pela adoção de novas práticas de trabalho e até de novos modelos de negócio que a pandemia obrigou. Muitos destes modelos foram criados de forma reativa. A necessidade imposta pela pandemia falou mais alto e pediu um conjunto de medidas de mitigação ao invés de um conjunto de estratégias de criação de valor. E a questão aqui não é de semântica, mas sim de pensamento e de definição de prioridades.
A implicação prática deste processo levou a que a criação dos ecossistemas digitais das empresas, que deveriam ter sido feitos com o objetivo de criarem mais valor para o negócio , fossem antes construídos para dar respostas rápidas ao mesmo modelo de negócio. Estes sistemas, que deveriam ter sido construídos também de forma a serem capazes de integrar fontes diferentes, não podem viver apenas de dados internos, sob o risco de rapidamente se tornarem redundantes e poderem levar a decisões incorretas. Uma das falácias e armadilhas mais comuns dos sistemas de CRM leva a que o conhecimento dos clientes atuais seja enorme e profundo. Mas tomar decisões apenas baseado naquilo que é a nossa realidade controlável, só nos garante a manutenção dos clientes/consumidores atuais, e nunca a conquista de novos. Um ecossistema de dados fiável tem de ser capaz de equilibrar o conhecimento interno com o externo.
O que é uma data-driven brand?
A integração de dados na gestão de marcas não é algo novo. A novidade deriva de termos agora os dados no centro das decisões, sejam elas de desenvolvimento de um novo produto, na criação de inovação relevante ou na decisão de investimento em comunicação. É o fim do “eu acho” e do “eu penso que”. A relevância deste modelo de decisão e de desenvolvimento de marcas é fundamental para uma expansão internacional com sucesso.
A resposta às perguntas chave “Como é que tem feito a decisão dos mercados a entrar? E dos segmentos a explorar? E da comunicação a fazer? E do preço do produto?” deixará de ser intuitiva e por sensibilidade, para passar a ser um processo sistemático e com maior certeza.
Uma data-driven brand não é uma bala de prata, mas é a forma mais inteligente de mitigação do risco e dos custos para uma entrada de sucesso em mercados internacionais.
E o que precisamos?
Tudo tem de começar por uma cultura de dados. Não podemos querer ter dados para nos ajudar a decidir num dia e termos a “sogra do CEO” a opinar no dia seguinte. E essa cultura tem de contaminar positivamente toda a organização. Dados são o princípio da informação e todos são importantes, venham eles de onde vieram. A busca e a conquista da eficiência conseguem-se, muitas vezes, através de dados aparentemente pouco relevantes, mas que, quando combinados com outros, conseguem mostrar-nos soluções que, de forma parcelar, não iríamos conseguir atingir.
Depois necessitamos de uma ferramenta que consiga coletar esses dados vindos de fontes diferentes. Muitos aqui dirão, “mas isso custa uma fortuna!”. Já não, digo-vos eu! Existem soluções no mercado capazes de servirem as PME nacionais por valores acessíveis à maioria delas. E se considerarmos os ganhos de eficiência, de vendas e de inovação, o projeto poderá ser facilmente auto sustentável.
E aqui falamos de pessoas devidamente formadas e capacitadas para o fazer. Mas essas pessoas são caras, dirão novamente alguns. E o nada saber, que custo tem para uma empresa?
Quais as vantagens de uma data-driven brand?
A existência de dados fiáveis, abundantes e frequentes permitem que a marca comece rapidamente a observador padrões e a verificar tendências. Isso tem, em termos de marketing, um enorme valor. Esses padrões e tendências ajudam a ajustar produtos e a encontrar segmentos não servidos. Ou se quisermos, por outras palavras, as necessidades do consumidor começam a ser mais claras e definidas, o que permite todo o tipo de ajustes, e, sobretudo, uma diminuição substancial no “time to market” de muitos projetos.
Por si só, este seria já o fim de uma história feliz para muitas empresas. Para uma data-driven brand é apenas o início. Através de decisões mais informadas e ajustadas ao que procuramos, seremos capazes, à mesma velocidade, de encontrar novos modelos de personalização da experiência do cliente. Essa personalização traz sempre mais conhecimento do próprio cliente e um maior ajuste às suas necessidades.
Com a personalização e o ajuste às necessidades do cliente, o preço perde relevância como fator de escolha, o que permite à marca aumentar o seu valor e, consequentemente, o seu preço. Nunca nos devemos esquecer que não existem marcas caras, existem sim muitas onde o consumidor não consegue entender o seu real valor.
A fase seguinte é a fase da eficiência. Já conhecemos o nosso consumidor e já lhe personalizámos a oferta. Melhorámos o nosso preço, pois o nosso valor é entendido. O conhecimento do ecossistema começa agora a permitir-nos otimizar outras decisões. Será que necessitamos de investir tanto neste mercado? Será que o nível de stock é o mais ajustado? Será que estamos a produzir os tamanhos e as cores certas? Este é o momento da busca de eficiência a todos os níveis, desde a produção à logística, desde as vendas à comunicação. É também nesta fase que começam a surgir os novos modelos de negócio e os conceitos de inovação disruptiva. Surgem por conhecimento profundo das três dimensões: Do consumidor, do mercado e da organização. E só com este conhecimento profundo e bem estruturado seremos capazes de lançar outros produtos, conceitos e serviços que lhe sigam os passos do sucesso.
Portugal face ao tamanho do seu mercado interno necessita de se voltar cada vez mais para o exterior. Devido ao tamanho das nossas empresas, o nosso nível de investimento é reduzido e a competição em mercados de maior valor acrescentado e com outros padrões diferentes dos nossos pode ser arriscada e complexa.
Assumirmos uma postura de gestão de marca integralmente data-driven mitiga o risco e a exposição da empresa e da marca, ao insucesso e ao falhanço. Se o “saber fazer” é, sem dúvida, muito importante, o “saber para quem fazer” não é menos. Temos, então, de deixar de fazer aquilo que uns nos pedem, para passarmos a fazer aquilo que os outros desejam. E com uma boa marca portuguesa!
Artigo de opinião de João Santos, COO do WYgroup, originalmente publicado na MaisM.